11/12/2025
A RELIGIÃO QUE AINDA NÃO EXISTE
entre o Sagrado e o Real numa Humanidade que amadurece
Hoje vemos a Religião a anunciar ideais de amor, compaixão, justiça e pertença. No entanto, muitas vezes encontramos um desfasamento entre o que é proclamado e o que realmente acontece dentro das pessoas. Isto não acontece porque a Religião falha por natureza. Acontece porque muitos de nós chegamos a ela antes de termos desenvolvido a solidez emocional necessária para transformar esses ideais em gesto vivo e não apenas em palavras. Quando a interioridade é frágil, é natural procurar respostas prontas para organizar a vida e acalmar aquilo que ainda não sabemos sentir. É por isso que tantos discursos de abertura acabam convertidos em práticas de fechamento. A doutrina fala de confiança, mas o medo reorganiza tudo por dentro. Aquilo que foi pensado para libertar transforma-se, sem intenção consciente, numa forma de controlo que afasta a pessoa do Real.
A verdade é que a maior parte das pessoas não chega à Religião por causa de uma busca profunda de Verdade. Chega porque precisa de chão. Chega quando o mundo se torna demasiado intenso ou imprevisível. Chega quando o medo de perder controlo supera a capacidade de olhar para dentro. Chega quando a morte se aproxima e a consciência procura uma narrativa que devolva continuidade ao que parece terminar. Isto é profundamente humano. O problema começa quando esta procura de estabilidade se transforma em dependência. Nesse momento, a Religião deixa de ser caminho e passa a ser abrigo permanente. A doutrina pesa mais do que a experiência. O que está escrito vale mais do que aquilo que alguém sente com sinceridade. A autoridade externa substitui a consciência interna. E assim a Religião endurece, afastando-se da Verdade viva e aproximando-se apenas da segurança.
Ainda assim, encontramos pessoas que vivem a sua fé de modo adulto. Pessoas que não usam a crença como escudo, mas como forma de estar no mundo. Pessoas que conseguem ler textos antigos sem os transformar em muros. Pessoas que se deixam tocar pelo Real e não torcem o Real para caber nas suas ideias. Pessoas para quem a espiritualidade não serve para fugir da vida, mas para entrar nela com mais verdade. A existência destas pessoas mostra que a Religião pode ser muito mais do que tantas vezes se torna.
Imaginemos então a Boa Sociedade. Não uma sociedade definida pela Religião, nem moldada por uma única visão moral, mas uma Humanidade que aprendeu a maturidade em todas as disciplinas da existência. Uma Humanidade onde a economia serve a vida e não o contrário. Onde a política nasce do cuidado e não do medo. Onde a educação forma consciência e não apenas desempenho. Onde a ciência ilumina e não fragmenta. Onde a espiritualidade é expressão livre e não sistema de controlo. Uma Humanidade em que as pessoas sabem sustentar o que sentem, reconhecer o que vivem e estar em relação sem se esconderem atrás de narrativas absolutas. Uma Humanidade em que a vulnerabilidade é reconhecida como condição e não como falha. Uma Humanidade em que o erro não destrói a identidade e o cuidado nasce naturalmente da consciência e não do medo de punição.
Numa Boa Sociedade a Religião não precisaria de vigiar comportamentos. Não precisaria de impor regras para garantir ética. Não precisaria de definir fronteiras para manter ordem. A espiritualidade seria expressão e não escudo. Seria relação e não disciplina. Seria uma forma de nomear o mistério e não uma forma de controlar o medo.
É aqui que surge a questão da Ética. Numa sociedade onde a Religião estivesse alinhada com o Real e com a Verdade, a Ética deixar-se-ia de apresentar como um conjunto de normas externas e tornar-se-ia consequência natural de uma consciência que sabe estar em relação. Não seria instrumento de correção. Seria forma de existência. Seria aquilo que acontece quando já não estamos divididos entre o que sentimos e o que nos dizem para sentir. Seria consequência e não imposição.
O contraste entre o presente e a Boa Sociedade é profundo. Hoje a Religião é muitas vezes usada para garantir segurança emocional. Numa Boa Sociedade seria usada para ampliar liberdade interior. Hoje responde mais ao medo do que à Verdade. Numa Boa Sociedade responderia mais à presença do que ao controlo. Hoje protege fronteiras. Numa Boa Sociedade abriria caminhos.
E talvez a pergunta final seja esta. Se um dia a Humanidade crescer verdadeiramente, não apenas no que pensa, mas no que é e no que sabe sentir, ainda vamos chamar Religião àquilo que hoje chamamos Religião ou vamos descobrir uma forma completamente nova de habitar o mistério sem precisarmos de nos esconder dele?
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