28/08/2025
Incêndios florestais e benefícios potenciais
Opinião de João Leitão
Jornal do Fundão
Ano após ano, Portugal enfrenta o desastre dos incêndios florestais. O discurso público foca-se geralmente nas perdas: vidas humanas; comunidades desfeitas; património destruído; e hectares de floresta reduzidos a cinzas. Porém, longe dos holofotes dos meios de comunicação social, prevalece o facto de, por trás deste desastre, também poderem existir benefícios.
Em primeiro, destaca-se o setor da madeira e da pasta de papel. Portugal é um dos maiores produtores mundiais de pasta de papel, fortemente dependente do eucalipto, uma árvore que arde facilmente e se regenera rapidamente após o incêndio. Cada incêndio abre espaço para o aumento potencial da plantação de eucaliptos em detrimento de espécies autóctones, como por exemplo, o carvalho e o sobreiro, mais resistentes ao incêndio, mas menos lucrativas.
Outro setor que merece destaque é o das empresas ligadas ao combate e à prevenção dos incêndios. A cada verão, milhões de euros são investidos em meios aéreos, veículos, equipamentos e serviços especializados. Se por um lado este investimento é indispensável para a proteção das populações, por outro lado, alimenta uma indústria que cresce com a continuidade dos incêndios.
Os investidores imobiliários também podem beneficiar, direta ou indiretamente, dos incêndios. Terrenos queimados, desvalorizados pelo impacto dos incêndios, podem ser adquiridos a preços baixos e mais tarde reconvertidos para outros usos. Em algumas zonas do país, há denúncias de que os incêndios servem como “atalho” para facilitar a mudança de uso do solo, especialmente quando há interesse em projetos turísticos ou de construção.
Nos últimos anos, outros setores económicos começaram a surgir como potenciais beneficiários indiretos deste tipo de desastre, ou seja, as empresas de energias renováveis e as de prospeção mineira. Zonas florestais devastadas pelos incêndios tornam-se mais facilmente disponíveis para a instalação de grandes parques solares ou eólicos, reduzindo a resistência local à ocupação do território. O mesmo se passa com a exploração de lítio e terras raras, recursos estratégicos para a transição energética e altamente valorizados pela União Europeia e China. A destruição da floresta abre caminho para estudos de viabilidade, licenciamento e exploração em locais que, antes dos incêndios, estariam mais protegidos pela cobertura natural e pela resistência das populações locais à perda de biodiversidade.
Adicionalmente, as seguradoras assumem um papel ambivalente. No curto prazo, os incêndios representam um prejuízo, originando o pagamento de indemnizações. Contudo, no médio e longo prazo, a perceção de risco acrescido leva ao aumento dos prémios de seguro em territórios considerados de maior vulnerabilidade climática e expostos a eventos extremos. Assim, mesmo que parte do setor sofra perdas imediatas, o equilíbrio pode ser recuperado através do encarecimento generalizado do serviço.
Pontuo que, apesar de os incêndios em Portugal serem um desastre que afeta populações inteiras e destrói vastas áreas do país, também alimentam interesses económicos e políticos. Grandes empresas de papel e celulose, prestadores de serviços de combate, investidores imobiliários, seguradoras, empresas de energias renováveis e de exploração mineira, acabam por ter benefícios.
A existência de benefícios não significa que todos atuem de forma intencional, mas a realidade é que o atual modelo perpetua um ciclo em que as perdas são socializadas e os ganhos acabam por ser concentrados.
Enquanto o combate aos incêndios for abordado apenas como uma emergência, e não como parte de uma estratégia integrada de ordenamento e valorização sustentável do território, os incêndios continuarão a ser uma oportunidade de negócio para alguns.
Não gostaria de ter razões para terminar deste modo, mas há bombeiros e autarcas heróis, que vão diretos ao céu pelo seu altruísmo e serviço à comunidade, e há também doentes mentais que resistem e teimam em (re)construir o Interior, que existe mesmo com seres vivos e múltiplos recursos naturais, e não vale a pena esquecer, pois estamos cá para lutar, afirmar e preservar a nossa identidade territorial, até porque vivemos todos, de forma solidária, em Portugal, ou não vivemos?!