20/05/2025
• online • "O futuro é já": a política, o fascismo, o mito • Pedro Levi Bismarck •
• «O CHEGA não é a crise do regime, é o regime. É o regime no momento da sua reconfiguração, da sua revolução, isto é, o voltar a si mesmo do regime. O CHEGA é o filho pródigo de um sistema que elevou o «povo» à condição de elemento central do sistema, sem jamais lhe conferir um qualquer poder. Tal como o rei no modelo da monarquia constitucional, também o povo reina, mas não governa. Esta é frase que sintetiza a contradição fundadora da democracia liberal representativa: a posse de uma soberania popular que apenas pode ser sonhada ou encenada. A política da democracia liberal nunca foi outra coisa que o ficcionamento permanente e constante de uma ilusão de posse de soberania. E, por isso, o fascismo não é apenas ou exactamente uma política do ressentimento, mas uma política da esperança: ele é o momento que tem como função reactualizar a potência redentora dessa ficção, desse mito, capaz de salvaguardar o estatuto fictício do povo enquanto sujeito político. Neste sentido, a observação de Walter Benjamin segundo a qual o «fascismo […] vê a sua salvação na possibilidade que dá as massas de se exprimirem (mas com certeza não a de exprimirem os seus direitos)» é talvez a fórmula que melhor sintetiza a operação fundamental do fascismo na política moderna do capitalismo. E a «salvação» é, em todo o caso, a palavra-chave: porque é, precisamente, o conteúdo religioso da redenção aquilo que o fascismo mobiliza e manipula tão sabiamente.
Ora, o CHEGA aparece quando as ficções da social-democracia chegam ao seu ponto de exaustão (talvez o slogan do PS «O futuro é já», seja um exemplo disso mesmo). E o seu papel político é, precisamente, o de reactualizar a ficção, o mito, capaz de garantir que o povo possa continuar a auto-representar-se a si mesmo como detentor de um poder que na verdade não tem, e, sobretudo, garantir que o actual processo neoliberal de privatização do Estado e de acumulação de desigualdades possa continuar. É isso que define o sucesso do CHEGA: a possibilidade última que oferece ao povo de se ver a si mesmo como povo, de se continuar a sonhar como povo •
A AD teve 1 914 913; votos enquanto o PS teve 1 394 491 e o Chega 1 345 575 votos. O que significa que há, neste momento, em Portugal três...