16/06/2025
Há coisas engraçadas na vida... Quanto mais fugimos da nossa verdade, mais ela nos persegue.
Desde esta nova página e consequentemente novos seguidores, que ando a ser "perseguida" pelo tema da bipolaridade e fujo dele como o diabo da cruz..
Cada vez que alguém me diz que é bipolar eu sinto-me imediatamente impelida a escrever sobre isso, porque...TAMBÈM SOU! Já o tinha partilhado muito por alto noutro texto e apesar de não fazer disso um tema tabu, não ando propriamente a gritar ao mundo (embora a minha irmã me diga que sim, lol).
No seguimento do burnout que tive há uns anos, foi-me diagnosticado mais tarde doença bipolar, aos 37 anos. Porquê? Pela explicação que me foi dada, bastou-me ter tido um episódio de mania. Posso nunca mais repetir, mas a partir do primeiro, somos bipolares e pronto! Rótulo na testa. Next!
Eu não posso falar pelas outras pessoas porque cada caso é um caso, mas posso falar da minha experiência pessoal. Acima de tudo gostava de sensibilizar as pessoas para um tema que ainda é tabu e muitas vezes alvo de piadas parvas por parte de pessoas que não fazem a p**** de ideia do que se está a passar na vida alheia.
- És bipolar? Uiii! Como é que estás hoje? Ahahah!
Isto não é assim, nem acontece assim.
Muitos dos períodos de mania ou de depressão podem durar semanas ou meses. Yah, meses! A depressão, penso que seja do conhecimento geral, pode durar meses, anos, vidas inteiras. Os episódios de mania não são melhores. E o que é isto de mania? Mais uma vez, irei falar da minha experiência pessoal, deixando já a ressalva que não sou médica ou psiquiatra. Vou falar do que me foi explicado e do que se passou comigo.
Eu tive "apenas" um episódio/período de cada um. O primeiro foi o de mania e durou 5 meses. Por diversas razões que eu não tenho o conhecimento médico para explicar, comecei a sentir-me rápida, muito rápida, falava a 200km/hora, super capaz de tudo, invencível, imbatível, insaciável, superior (não confundir com arrogante), instável, com o pensamento super acelerado. Todos os sinais de grandeza com uma total falta de noção da realidade. Para apimentar, alucinações, visões, delírios...
Passei esses meses a dormir 4 horas por dia (queria acordar para ir trabalhar e trabalhava na boa 15 horas por dia); comia mal por falta de tempo; conduzia a velocidades completamente absurdas; a libido completamente descontrolada; a estoirar cartões de crédito e a contrair empréstimos, entre outros... Enfim, foi o desgoverno total, o exagero em tudo o que fazia, o descontrolo máximo que vocês possam imaginar. Tudo sem ter noção do estado em que estava, com a agravante de ainda ter "um bocadinho" de discernimento e controlar-me à frente daqueles que podiam reparar nestes extremos: os amigos e a família o que fez com que o episódio de mania passasse despercebido tanto tempo.
Fiz coisas completamente loucas que, hoje dão-me para rir, mas na altura foram graves (ou poderiam ter sido):
Certa noite, acordei às 4 da manhã e fui para a Fnac online comprar uma televisão de 900.00€. Devolvi dois dias depois, quando o meu pai percebeu a loucura que eu tinha feito.
Outro dia fui para o El Corte Inglês no meu carro da altura (Honda Civic preto). Parei em frente à MAC, em cima do passeio com 4 piscas e fui a pé o resto do caminho. Quando cheguei, dirigi-me a um colaborador, estiquei-lhe o meu cartão de crédito e disse-lhe:
- Quero levar tudo para a casa, está aqui o meu cartão.
- Com certeza, qual é a divisão que vai rechear?
- O Sr. não percebeu... Quero TUDO para a casa, tudo, para todas as divisões: pratos, sofás, cortinados, talheres, almofadas, móveis, candeeiros, tudo!
Escusado será dizer que o senhor me levou aos seguranças. E eu fui, tipo miúda pequena que vai para o castigo. Não correu melhor:
- Boa tarde, como se chama?
- Ana Mendonça!
- D. Ana, sente-se bem? Podemos ajudar?
- O outro senhor não me deixa comprar o que quero. Posso ir embora?
- Já a deixo ir. Como é que veio?
- De carro...
- Pode dizer-me qual é o seu carro?
(Comecei a descrever o meu sonho de consumo/grandeza)
- É um Evoque.
- E qual é a cor?
- Cobre.
- Diga-me a matrícula por favor.
- Não sei, não me lembro
- E lembra-se onde o estacionou?
- Já não me lembro do lugar...
- Deixe-me falar com um colega e não se afaste daqui, sff.
Esperei uns bons 40 minutos, sossegada, calada e a rir para dentro (!!!).
- D. Ana, não temos nenhum Evoque no nosso parque...
- Pois, eu ainda não comprei o carro, mas vou comprar!
Claro que eles acharam e bem, que eu era doente da cabeça. Só não perceberam qual era a doença... Como muitos não percebem, até porque não é um braço partido, é uma doença mental que não se vê.
Noutra ocasião, acordei a achar que Deus me tinha permitido fazer, naquele dia, tudo o que eu quisesse. Fui para o Strada e siga para o cabeleireiro. Lavei o cabelo, pedi uma máscara especial, pintei, cortei, fiz manicure, pedicure, quase tudo o que podia fazer. No final, levantei-me, tirei aquele robe que nos dão, coloquei em cima do balcão da entrada e fui embora sem pagar. Deus deixou-me, ok? Não, não foi ok... Fui para o Pingo Doce e poucos minutos depois, aparece o rapaz do cabeleireiro atrás de mim:
- Desculpe, mas penso que se esqueceu de pagar?
- Hã? Mas é para pagar?!
- Desculpe? Tem de pagar... Pode vir comigo?
- Eu vou, mas não foi o combinado com Deus... (a olhar para cima à espera dum sinal divino)
Nesta altura vocês devem estar à gargalhada, mas isto foi real, não foi fixe e não é fixe quem passa por isto diariamente. Teria muitos mais episódios para contar, uns cómicos, outros trágicos. A primeira vez que eu tive alguma consciência que estava "fora", foi quando vi a cara de pânico da Laura com um ataque de riso que eu tive, completamente descontrolado. Não gosto de me lembrar porque infelizmente nem isto me abrandou e a tristeza/preocupação dela ainda me está marcada na memória.
A "ficha" caiu-me no dia em que ia batendo num colega meu, homem, por uma discussão de trabalho. Achei-me cheia de razão e arrasei-o verbalmente à frente de dois colegas. Depois disto ele desapareceu por umas horas e eu comecei em delírio a pensar que ele tinha-se matado por causa da discussão. Foi simplesmente horrível até saber que ele estava bem.
Lembro-me que isto foi numa 6ª feira e julgo que foi logo no sábado seguinte que pedi à minha família para se sentarem todos na cozinha porque eu tinha de falar com eles. Quando me foi dada a palavra, comecei a dissertar sobre Deus. Não falei muito porque o meu pai (ateu) pôs logo um travão na conversa. Mas falei o suficiente para a minha irmã e a minha mãe perceberem que algo não estava bem e falarem com o meu psiquiatra. Depois de me receber, meteu-me logo de baixa, fui obrigada a f**ar em casa e literalmente "caí"... A partir daqui foi o declínio para a depressão e essa, penso que vocês já conhecem os sinais... Não me vou alongar mais porque é um assunto que ainda mexe comigo e as lágrimas já vêm por aí abaixo.
Havia mesmo muito mais a dizer, mas essencialmente, a mensagem que gostava de deixar é que existem muitas, muitas pessoas à minha volta, à vossa volta com problemas e doenças mentais graves, difíceis de identif**ar, difíceis de tratar, muitas vezes sem redes de apoio e estrutura familiar, que precisam de ser olhadas sem julgamento porque ninguém pediu para as ter. A bipolaridade é apenas mais uma.
Quando virem alguém um pouco mais agitado, alterado, não partam logo para o julgamento e tentem perceber o que se passa. Se não puderem ajudar, pelo menos não julguem. Pode ser isto, pode ser outra coisa qualquer...
Felizmente, e para terminar, nunca mais tive qualquer episódio e já lá vão 8 anos (mania) e 7 (depressão). Ainda faço alguma medicação (lítio - ando sempre com a bateria no máximo, ahaha) e consigo estar estável e ter uma vida com qualidade. Eternamente grata aos "meus" que nunca me abandonaram!
Para aqueles que passam por isto (obrigada a ti (LM) que partilhaste a tua história comigo), só desejo que a vossa vida seja meiga convosco e que consigam ter uma rotina o mais normal possível.