31/07/2025
«Rezam as crónicas polacas que, em 1980, havia dois escritores polacos nomeados para o Prémio Nobel da Literatura, um era Czesław Miłosz e o outro Stanisław Lem. Em 1986, o meu professor de Literatura de Ficção-Científica, Andrzej Niewiadowski, persuadia os alunos, afirmando que Lem também seria um digno merecedor do Prémio Nobel porque a sua obra constituía um mundo coerente onde uma inventividade extraordinária conjugava narrativas futurológicas, processos tecnológicos e tentativas de contacto com outras formas de vida que, cruzados com profundas reflexões de carácter filosófico e ético, tornavam Lem um escritor altamente visionário e influente.
Quatro décadas volvidas, Stanisław Lem bem pode ser encarado como profeta dos tempos contemporâneos porquanto cultivou um género literário que lhe permitiu imaginar a evolução da sociedade e o futuro da nossa espécie, explorar contextos futuros, bem como prever o desenvolvimento da tecnologia. Os seus contos, que parecem ultrapassar as fronteiras do imaginável, oferecem ao leitor uma visão do mundo em que ciência e tecnologia de mãos dadas moldam a realidade de forma perturbante. Tal era a intenção de Lem, para quem fazer perguntas e levar o leitor a reflectir sobre a estranheza, as possibilidades e perigos da tecnologia, eram também funções da literatura.
A presente colectânea de contos oferece uma panóplia que versa temas caros a Lem, sendo a narrativa que dá título a este volume “A Máscara” a menos característica por se tratar de uma história que decorre no contexto de uma corte medieval e assume traços da literatura 𝘯𝘰𝘪𝘳, ao dotar uma máquina com um programa para matar pessoas.
(Há contos futurológicos, em que ressaltam narrativas sobre as possibilidades e os perigos dos computadores numa perspectiva hoje surpreendente, porquanto a associamos à realidade virtual, à inteligência artificial e à complexa rede global. Em “O amigo” deparamo-nos com um computador militar, que almeja dominar o mundo; em “137 segundos”, um número simbólico, um jornalista constata que o computador desligado da rede é capaz de prever o futuro; já “O martelo”, construído como diálogo entre o computador de bordo de um foguetão e o seu passageiro, descreve a relação entre a máquina e o cosmonauta, bem como a evolução da inteligência artificial e a possibilidade de esta poder vir a dominar o homem.
Também há contos em que os protagonistas são cientistas envolvidos em experiências pioneiras: “A verdade” e “A fórmula de Lymphater”. Neles, abordam-se respectivamente conteúdos específicos como a exploração das potencialidades do plasma, bem como a investigação em cibernética e em informática, cujo desenvolvimento poderá tornar dispensável o ser humano. Por seu lado, em “Escuridão e bolor”, um homem, ao brincar com umas bolinhas negras que se autorreproduzem, por via de um processo – diríamos hoje – nanotecnológico, forma um exército capaz de exterminar a humanidade.
Existem ainda narrativas que remetem para fenómenos extraterrestres: “O rato do labirinto”; “A invasão” e “A invasão de Aldebaran”. Na primeira, dois amigos resolvem explorar o interior de algo que caiu do céu – um meteoro, uma nave espacial ou um organismo vivo? Na segunda, uma série de objectos semelhantes a pereiras cai na Terra e, na terceira, Lem descreve, com muito sentido de humor, um grupo de extraterrestres que, munido de um tradutor automático (!), recolhe informações com vista a uma eventual invasão da Terra.
E, por fim, encontramos contos avulsos como “Memórias”, no qual um electrocérebro dá origem a uma multitude de cosmos povoados por seres inteligentes para os quais ele é o deus-demiurgo, “O enigma”, no qual dois monges-robôs dissertam sobre a possibilidade de haver vida inteligente com base em proteínas e de tal constituir uma heresia, e “A caçada” que versa sobre um robô-presa dotado de inteligência para confundir pistas e escapar à perseguição de caçadores, batedores e cães.
A Antígona oferece, pois, em primeira mão, ao leitor português uma colectânea diacrónica de contos, representativa da criação literária de Stanisław Lem, um dos mais criativos escritores de ficção científica. Por que razão, então, não foi premiado com o Nobel?
Rezam as crónicas polacas que a Academia Sueca, algo conservadora, não privilegiava os autores de ficção científica, que as críticas de Lem a instituições científicas e à SFWA não abonaram nada a seu favor e que o seu estilo literário não era consensual e levantava controvérsias – que o digam os tradutores que se vêem gregos para transpor neologismos, arcaísmos e uma sintaxe por demais arrevesada.»
𝗧𝗲𝗿𝗲𝘀𝗮 𝗙𝗲𝗿𝗻𝗮𝗻𝗱𝗲𝘀 𝗦𝘄𝗶𝗮𝘁𝗸𝗶𝗲𝘄𝗶𝗰𝘇