06/05/2025
Lei da Alienação Parental: Uma Antinomia
Por Fernando Farias Valentin do Observatório da Guarda Compartilhada
Em sua essência, uma antinomia configura-se como um paradoxo, uma contradição lógica entre duas afirmações ou princípios que, embora aparentemente válidos, levam a conclusões opostas. No intrincado debate sobre a Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), essa noção de antinomia emerge com força, especialmente quando observamos a polarização de narrativas propagadas pela grande mídia.
De um lado, ecoam frequentemente acusações que apontam as mães como as principais perpetradoras da alienação parental. Essa perspectiva, por vezes, constrói a imagem da mãe manipuladora que influencia os filhos a rejeitarem o pai, motivada por ressentimento ou vingança pós-separação. Do outro lado do espectro midiático, a figura paterna é, em algumas ocasiões, associada à violência doméstica e ao abuso, levantando a hipótese de que a alegada "alienação" seria, na verdade, uma proteção da criança diante de um genitor perigoso.
Esse paradoxo reside no fato de que ambas as situações – a mãe alienadora e o pai violento – podem, inegavelmente, ocorrer na realidade. Contudo, a generalização e a polarização dessas imagens obscurecem a complexidade das relações familiares e negligenciam a diversidade de contextos envolvidos em disputas de guarda.
Ao buscarmos indícios reais sobre essas colocações, as estatísticas brasileiras mais recentes revelam um cenário multifacetado. Embora dados específicos sobre a incidência pura da alienação parental sejam desafiadores de coletar e consolidar de forma homogênea em todo o país, levantamentos sobre violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes, bem como dados sobre processos de guarda e visitas, oferecem algumas pistas importantes.
Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2023, intitulado "O Judiciário e a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher", embora focado na violência contra a mulher, indiretamente lança luz sobre a dinâmica familiar em litígio. Os dados demonstram a persistência de altos índices de violência doméstica, muitas vezes impactando os filhos que testemunham ou vivenciam essas situações. Essa realidade sugere que, em alguns casos, a resistência dos filhos em relação a um dos genitores pode ser uma reação legítima a um ambiente de insegurança e abuso, e não necessariamente um produto de alienação parental.
Por outro lado, pesquisas qualitativas e relatos de profissionais que atuam na área do direito de família e da psicologia infantil apontam para a existência de casos genuínos de alienação parental, onde um dos genitores, de fato, manipula a criança para prejudicar o relacionamento com o outro. No entanto, a dificuldade em distinguir esses casos de situações onde há histórico de violência ou negligência é um ponto crucial.
A Lei da Alienação Parental, em sua intenção de proteger o direito da criança à convivência familiar saudável, esbarra nessa complexidade. A aplicação da lei, por vezes, desconsidera o histórico de relacionamento familiar e as alegações de violência, rotulando como alienação comportamentos que podem ser manifestações de medo ou proteção. Isso levanta sérias questões sobre a real eficácia da lei em promover o bem-estar da criança em todos os cenários.
Em suma, a questão da alienação parental no Brasil revela-se uma antinomia desafiadora. A polarização midiática entre a mãe alienadora e o pai violento simplifica uma realidade intrincada, onde a verdade muitas vezes reside em nuances e históricos familiares complexos. As estatísticas, embora incompletas, indicam a necessidade de uma análise cautelosa, que considere o contexto de violência e abuso, além de identificar os casos genuínos de manipulação. Repensar a eficácia da Lei da Alienação Parental, investindo em abordagens multidisciplinares que priorizem a escuta da criança, a análise individualizada de cada caso e a consideração do histórico familiar, torna-se fundamental para garantir que a lei cumpra seu propósito de proteger os direitos e o bem-estar dos menores envolvidos em disputas parentais. A complexidade desse problema exige um olhar mais atento e menos polarizado, buscando soluções que realmente atendam aos melhores interesses da criança.