07/10/2025
1 cênt./kg - Mar português tresanda a corrupção e peixe barato
Chegou-nos hoje mais uma denúncia que, devia fazer corar de vergonha Portugal inteiro — se ainda restasse vergonha neste país.
Nas lotas portuguesas, como a de Quarteira, o peixe tem sido vendido a 1 cêntimo o quilo. Um. Único. Cêntimo. Menos do que custa o gelo, menos do que custa a caixa, menos do que vale o suor e o risco de quem enfrenta o mar de madrugada para pôr alimento nas mesas dos outros.
Enquanto o povo é espremido a pagar 5, 10, 15 ou 20 euros por quilo, o pescador regressa a terra para entregar o fruto do seu trabalho por um valor que nem cobre o gasóleo. Entre a lota e os supermercados, o preço multiplica-se várias vezes, mas o dinheiro nunca chega a quem o merece. O mar enriquece poucos e destrói quem dele precisa para viver.
E que ninguém se atreva a apontar o dedo aos pescadores. Porque estes não definem o preço, não dirigem o leilão e não têm poder para travar a venda. Quem tem essa responsabilidade — e a falha miseravelmente e vergonhosamente — é a DOCAPESCA/Pesca-Lota, entidade pública que devia garantir transparência, equidade e protecção mínima ao setor. Mas em vez de defender o pescador, fecha os olhos, lava as mãos e assiste impávida à liquidação de um ofício inteiro, como se nada fosse.
Ao permitir que o peixe seja leiloado a preços que não cobrem sequer os custos básicos de produção, a DOCAPESCA não só humilha quem trabalha, como defrauda o próprio Estado. Cada venda ridícula destas significa menos impostos, logo menos receita para a Autoridade Tributária— mas claro mais lucro obsceno para os mesmos intermediários de sempre. Os grossistas compram a miséria e revendem a fortuna. Transformam o suor alheio em dividendos, e o silêncio cúmplice das autoridades em moeda de troca.
É um sistema apodrecido até à espinha: um circuito de ganância institucionalizado, onde o pescador é o elo fraco, o Estado é o espectador inútil e o lucro dos usurpadores é o único deus. Tudo isto sob o olhar cobarde do Ministério da Agricultura e das Pescas, que se refugia em relatórios e slogans sobre “sustentabilidade” enquanto o sector se afunda com uma âncora presa aos pés.
Chamam-lhe “economia azul”. Mas o que temos é uma economia negra de vergonha e exploração, uma farsa pintada com discursos técnicos, enquanto os homens do mar são esfolados vivos a um cêntimo o quilo.
Portugal tornou-se o país onde o peixe é vendido ao preço da humilhação e onde a vergonha é grátis — e abundante. Um país que se gaba de “viver do mar”, mas que trata o pescador como lixo descartável. Um país que fala de “tradição marítima” enquanto deixa morrer, um a um, aqueles que a mantêm viva.
A denúncia chegou agora, mas o escândalo é da semana passada — não tão velho como a círculo nefasto e obscuro que o alimenta. E cada dia que passa sem mudança é mais um prego no caixão da pesca portuguesa, mais uma bofetada à dignidade de quem trabalha, mais uma vitória da mediocridade sobre a decência, e a legitimação para a continuação da exploração dos pescadores e do povo que compra.
Um cêntimo por quilo de peixe.
Nenhum cêntimo por quilo de vergonha.
(Link para a publicação do próprio pescador nos comentários)