20/04/2025
Eclipse (Parte 5)
Na manhã seguinte, Ivy com Ashes no seu ombro, agora novamente com a energia carregada, contou aos amigos da notícia. Henry explodiu de alegria e de perguntas.
-Tens poderes?! Isso é incrível! Como é que os conseguiste? Como é que eu posso conseguir? Podes ensinar-me?
-Não acho que seja assim que funciona, Henry…-respondeu Ivy
-O quê?! Então como é?!
-Eu não sei! Nasceu comigo ou assim.
-Que sortuda! Eu também queria ter poderes!
Ivy riu com o escândalo do amigo, mas Marta mantinha-se mais séria, tentando processar a informação.
-Já contaste aos teus pais?
-Ainda não… Descobri isto ontem e ainda não sei como lhes contar…
Eles sentaram-se num tronco de árvore caído no chão. Ivy com os cotovelos apoiados nos joelhos a olhar para o chão pensativa.
-Não sei como lhes posso dizer que vou partir numa viagem. Tenho a certeza que não me vão deixar ir, mas isto é mesmo importante.
-Detesto dizer isto, Ivy, mas concordaria com eles se te impedissem de ir. -Responde Marta
-Concordas?
Ela acena com a cabeça.
-Entendo perfeitamente que isto seja importante para ti. Afinal, é a tua vida. Mas também concordo que é perigoso, não só a viagem, como tudo isto sobre teres os poderes do Sol. Não quero que te magoes.
Ashes ficou alerta na última frase, olhando para Ivy cheio de preocupação. Ivy olhou de volta cansada, pegando-o nas suas mãos para lhe dar festas no torso e no topo da cabeça.
-Eu sei… Mas preciso mesmo de descobrir quem sou, o meu propósito. E mais importante, preciso de aprender a controlar os poderes, não quero voltar a magoar ninguém.
-Eu percebo, Ivy. -Marta coloca-lhe o braço carinhosamente à volta do corpo -Eu quero mesmo ajudar-te, mas se os teus pais disserem que não podes ir, eu também não me irei opor por completo.
-Mas eu vou! -Levantou-se Henry -Esta decisão deveria ser tua, Ivy! Finalmente tens a oportunidade de teres as respostas que sempre quiseste, e ninguém te pode impedir disso!
-Henry, temos de racionais.
-Mas também tens de admitir que isto é uma grande oportunidade, Marta!
-E qual é a tua ideia? Vais até aos Connor e obrigá-los a deixar a Ivy ir?
-Faço o que fôr preciso para que a nossa melhor amiga tenha as respostas que ela sempre quis! Não achas que é um direito dela?!
-Claro que sim! Mas também quero pensar na sua segurança!
A respiração de Ivy aumentava em pânico, o seu olhou e do Ashes entrecalando durante a discussão dependendo de que falava.
-E isso quer dizer que ela deve ficar para sempre nesta aldeia, às escuras? Com todos a negar-nos? Não achas que ela merece mais do que este canto no meio do nada?!
-Vocês os dois param com isso?! -Grita Ivy, levantando-se do seu lugar com Ashes nas suas mãos, que conseguia sentir perfeitamente a sua frustração -Eu contei-vos isto para ter conselhos do que fazer e tentar esclarecer as coisas na minha cabeça! É vocês ficam aí a discutir o que é melhor para mim como se eu não estivesse aqui!
-Ivy… -murmura Henry
-Eu não sei o que fazer! Não sei o que se passa, nem muito menos sei como contar isto tudo aos meus pais. Por isso, vocês podem parar, por favor?!
Ela voltou a sentar-se no tronco, a secar as lágrimas dos seus olhos. Ashes olhou para ela com tristeza, tentando chamá-la com pequenos empurrões com o focinho. Marta e Henry entreolharam-se e sentaram-se ao seu lado. Marta acolheu-a, deixando a cabeça da amiga descansar no seu ombro, enquanto Henry se encostava a Ivy em silêncio.
-Pedimos imensa desculpa, Ivy. -Começa Marta -Isto também foi um choque para nós e queremos o melhor para ti. Queremos que estejas segura.
-Mas também que tenhas respostas. - acrescenta Henry
-Eu estou assustada… -ela soluça, agarrando-se a Marta, que a abraçou junto com Henry -Não sei o que fazer. Estou confusa e tenho medo do que pode acontecer. Tenho medo das respostas que possa receber. E se eu fôr atrás e não conseguir nada, tudo terá sido em vão?
Ashes tentou consulá-la, deitando-se nas suas palmas calmamente, mas com o olhar triste.
-Não importa o que aconteça, Ivy, nós vamos proteger-te acima de tudo.
-E vamos ajudar-te com tudo o que precisares. Tal como tu sempre fizeste connosco. -completa Henry
-E se tudo correr mal?... -Questiona-se com os olhos em lágrimas
-Nós estaremos contigo, aconteça o que acontecer. -Responde Marta
-Sempre, Ivy. Se quiseres, posso fazer uma tarte de frutos vermelhos para te animar. Até faço alguma coisa para o Ashes! Ele come carvão?
Ashes acenou alegre com a cabeça, como se concordasse completamente.
Ivy ri e abraça os amigos com lágrimas a escorrerem-lhe pelo sorriso. Ashes subindo para o seu ombro para se juntar ao abraço.
-Obrigada, malta. Vocês são os melhores.
-Vamos estar sempre aqui, Ivy. -Diz Marta abraçando-a
-Independentemente dos monstros furiosos, dos nossos vizinhos, ou do caminho, vamos acompanhar-te por onde der e vier!
Ivy abraçou-os com mais força, os amigos ignoraram a dor e continuaram agarrados a ela. Ashes aninhava-se no pescoço de Ivy com ternura e um sorriso.
Ivy voltou para casa ao entardecer, ao entrar, viu os pais a fazer o jantar. Ela respirou fundo, lembrando-se das palavras da avó e dos amigos. Ashes conseguia sentir a tensão dela e tentou encorajá-la com o focinho.
-Pai, mãe, tenho algo para vos contar.
O pai virou o seu olhar para a filha, que tremia em pé na frente da porta de entrada.
-O que se passa, Ivy?
-Eu acho que… -a sua voz falhou por uns segundos, os punhos apertados e o coração a bater depressa -Eu tenho poderes. Os poderes do Sol. -O pai congelou, a mãe parou de cortar os vegetais
A Nicole ficou a pensar por uns segundos. O silêncio era cortante, Ashes encolheu-se em Ivy com as chamas no seu corpo a diminuírem levemente. Com a faca que tinha na mão e um abanão de cabeça, Nicole cortou a tensão.
-Pára de br**cadeiras, Ivy. Não se br**ca com isso.
-Não é uma br**cadeira, mãe! Eu tenho mesmo poderes! - Ashes acenou afirmativamente com a cabeça
-E como é que essa ideia te veio à cabeça? Foi aquela mulher do festival, não foi? Ela andou a meter-te ideias na cabeça e agora tu estás a acreditar!
-Não são ideias, mãe! Eu vi, eu experimentei os poderes! Eu vi uma figura de luz, ela não queimava no fogo!
-Estavas a imaginar.
-Não, mãe, não estava. Porque é que não podes acreditar em mim só uma vez?
-Porque o que estás a dizer é uma loucura, Ivy! -Responde a mãe pousando a faca com um olhar firme
-Eu finalmente tenho uma mínima origem do porquê de eu ser diferente e tu recusas-te a acreditar. Porquê? Porquê, mãe?
-Porque és a minha filha, Ivy! -Ela aproxima-se, agarrando-lhe os ombros-E tu não és diferente. És perfeita.
-Não, não sou! -Ela afasta-se da mãe, a voz aumentando de tom -Ages como se eu fosse normal, como se não tivesse nada de errado comigo. E porque? Porque querias que eu tivesse nascido normal. Porque não consegues ver aquilo que todos na aldeia vêem. Que eu sou um monstro!
-Não és um monstro!
-Então, porque é que as pessoas me olham como tal?
A mãe congela por um segundo, pensando como responder à filha, vendo as lágrimas começando a surgir nos seus olhos.
-Porque eles não te vêem pelo que tu realmente és.
-E o que é que eu sou, mãe?
-És a nossa filha.
-Mas isso não me chega.
O silêncio reina entre os três. A resposta de Ivy foi como uma facada no coração da mãe.
-Então o que é que tu queres? -Ela pergunta com a voz fraca
Ivy engole o choro, mas não consegue conter os soluços enquanto fala.
-Eu quero saber o que sou. O porquê de eu ser assim, de eu não ser normal.
-E o que é que nós podemos fazer para ajudar, Ivy? -Pergunta o pai calmamente
-Quero que me apoiem. -Responde Ivy com as lágrimas a escaparem dos olhos
-Nós apoiamos, Ivy. -Diz o pai, abaixando-se ao nível dela -Mas quero que entendas, que isto não é um desafio só para ti. É para todos aqueles à tua volta. Vamos estar contigo e apoiar-te em tudo, Ivy.
-Isso nunca foi uma dúvida, e nunca será.-acrescenta a mãe com a voz enfraquecida
Ela abraça a filha, tentando esconder as lágrimas.
-Peço desculpa se te fiz pensar o contrário. -ela afasta-se um pouco, afastando os cabelos de Ivy do seu rosto -Eu farei tudo para te ajudar, Ivy. Diz-me o que fazer e eu faço.
-Eu… -a sua voz falhou -Eu quero ir à procura de respostas, mas não as vou encontrar aqui.
A mãe sorri com tristeza, acariciando o rosto da filha.
-Peço-vos apenas que me deixem ir. Não consigo ir sem a vossa permissão, sem a vossa benção.
-Sim, meu amor. -A mãe abraça-a -Eu dou-te a minha benção.
Ivy pára por uns momentos, até finalmente abraçar a mãe de volta. O pai abraçando as duas com ternura e Ashes juntando-se com alegria.
-Obrigada. -Diz com a voz abafada no ombro da mãe
-Uma pergunta rápida. - diz o pai, Ivy, Nicole e Ashes virando os olhares para ele - O lagarto também está relacionado com os poderes? Vais ficar com ele?
Ivy sorriu, afagando Ashes Com o indicador.
-Sim, pai, eu vou. Está relacionado aos poderes, pelo menos eu acho, mas ainda não sei bem de onde ele apareceu ou como é que ele está envolvido nisto tudo, mas gosto de ter um amiguinho diferente. - pega em Ashes e olha-o com ternura - E aliás, ele faz-me lembrar de mim.
-Mas as galinhas ela não quis tratar. - murmura a mãe - Ficas a saber que se essa coisa está à tua responsabilidade, é por favor não o aproximes de mim, ele queima de certeza.
-Eu sei, mãe. Muito obrigada.
Ivy sobe para o andar de cima com Ashes, a mãe aproximando-se para sussurrar:
-Isto é boa ideia?
-Provavelmente não, mas se é isto que a Ivy quer. O melhor que podemos fazer é apoiar.
-E se ela se magoar? Se arranjar problemas? E se ela morrer? - falou rapidamente
-Seja o que fôr que acontecer, a Ivy é forte, ela consegue lidar com qualquer coisa.
-Mas ela parece um íman de problemas.
-Saiu à mãe. - murmura
-Caluda.
O pai ri e põe as mãos nos ombros da esposa.
-Vá, agora a sério, a Ivy é forte, e quando ela se mete em problemas, ela resolve. Seja com a sua coragem, ou com o coração.
-A teimosia dela ainda a vai meter em muitos sarilhos. - suspirou a mãe
-E talvez safá-la de alguns.
Os pais ficam em silêncio, o ar pesando um pouco. O medo de que qualquer coisa aconteça à filha, de que, se lhe acontecer alguma coisa, será culpa deles por terem-na deixado ir.
O marido puxa a esposa levemente. Com voz calma:
-Ela consegue, mas algo que lhe daria ainda mais confiança, vai ser se a família a apoiar.
-E eu apoio. Nunca deixarei.
No dia seguinte, o sol ainda nascia ao longe. Ivy ajeitava as suas botas, a espada e rabo de cavalo, quando Flames saltou leve como fumo até ela, seguida de Phoebe com o seu manto vermelho.
-Pronta? -Perguntou Phoebe
Ivy olhou para a sua família, caminhando até eles.
-Peço desculpa por partir, mas eu tenho mesmo de fazer isto.
-Está tudo bem, Ivy. Tens de seguir o teu caminho. -Responde o pai
-Volta para casa em segurança. -Diz a mãe com um abraço carinhoso
-Eu prometo. -Retribui com um sorriso
Ivy sente um aperto na sua perna, olhando para baixo, o seu irmão abraçava-lhe a perna.
Ela abaixou-se para pegar no irmão.
-Não morras, okay?
-Vou tentar.
Ivy ri, mas Cole abraça-a com força, como se pudesse memorizar cada parte do abraço. Ivy pouso a testa na dele, com uma voz suave:
-Eu volto, juro que sim. Nunca irei embora.
Ashes espirra chamas na cara de Cole, fracas, mas o suficiente para deixar uma marca no nariz.
Ivy passa o dedo na pequena queimadura e pousa o irmão no chão com cuidado.
A avó aproxima-se com uma expressão rígida.
-Se tu te metes em confusão, eu vou atrás de ti e quando nem perceberes, vais ter um braço a menos! -Ivy ri, mas o rosto da avó suaviza-se -Vai atrás, Ivy. Luta, nunca deixes de lutar. És forte, és destemida e tens o poder para alcançares tudo o que quiseres.
-Obrigada, avozinha.
A avó sorri com ternura e entrega-lhe uma mochila castanha bem pesada e abraça-a.
-Garante que só voltas para casa quando tiveres descoberto tudo o que precisas.
-Prometo, avó.
Ivy coloca a mochila às costas, guarda a espada lá dentro e Ashes garante o equilíbrio no seu ombro.
-Vamos lá. Temos muito caminho para percorrer. -Diz a Phoebe
-Vamos a isto!
Com um último aceno, Ivy e Phoebe caminham rumo à perigosa jornada, repleta de mistérios.
Mas quando já estavam a andar pelos prados à saída da aldeia, ouvem passos muito rápidos e gritos a chamarem por Ivy.
Ao virarem-se, vêem Marta e Henry a correr até elas.
-Ivy! -Grita Henry aos tropeções, equilibrando-se ao agarrar nos ombros da melhor amiga -Nós queríamos… ter vindo mais cedo, mas… Meu Deus estou sem fôlego!
-Nós vamos contigo. -Corta Marta
-Espera, o quê?! Como assim? E os vossos pais?
-Eu falei com as minhas mães, demorou muito tempo, mas consegui convencê-las a ajudar a minha melhor amiga na jornada de descobrimentos dela!
-E tu, Marta? Não tens de ajudar o pai e o teu irmão na ferraria?
-Eu vim para garantir que nenhum de vocês morreria.
Ivy sorriu e junta-a ao abraço.
-Vocês são os melhores.
-Vá, vá, já entendemos! -Diz Phoebe frustrada -Podem vir, desde que não perturbem, se não deixo-vos no meio do caminho e vocês que se sabem para voltar depois. Agora chega de despedidas e lamechices, temos um longo caminho que percorrer!
-Isto vai ser incrível! -Exclama Henry, correndo à frente do grupo
-Henry, vais cair assim! -Ivy alerta, mas acompanha-o na corrida, Ashes rindo com a adrenalina
-Eles vão acabar por morrer. -Murmura Marta ao lado de Phoebe, observando os dois afastados
-É muito provável.
Agora os quatro seguem o caminho, com bem mais energia e alegria junto de Marta e Henry.