14/10/2025
“Acontece-me muitas vezes morrer, estando vivo” *
Autor: Joaquim Paulo Nogueira
Não digo desaparecer. Ou evaporar-me,
forma suprema de desvanecimento que só aos deuses imaginários,
ou que imagino,
é concedida.
Digo morrer.
E nem é fazer de morto,
embora o faça também muitas vezes quando os vivos dão mais trabalho e preciso de
inexistir.
Daquela existência que só o silêncio restitui.
Morrer à séria. É mesmo uma ação física,
morro,
deixo de respirar, sinto as células a fecharem-se, a desligarem-se uma a uma.
Como se me preparasse para a derradeira fisicalidade que há naquilo a que chamamos
morte,
e que não sabemos,
nem nunca saberemos o que é. Morro,
deixo o mundo e ainda cá estou, faz-me muito bem morrer.
Morro muito rapidamente e durante pouco tempo,
o médico legista nem tem tempo de sair de casa para registar a ocorrência.
Depois renasço.
O melhor do morrer é o renascer.
Como se fossem pétalas da flor em que te tornaste,
sentires as moléculas a abrirem-se de espanto,
tudo outra vez, e outra vez, e sempre, sempre,
outra vez,
olhar a vida como se tudo tivesse vindo de novo ao mundo,
as primeiras impressões, os primeiros olhares, os primeiros
enternecimentos.
Fazer tudo de novo e de outro modo,
de um outro modo que descobrimos depois,
ser a mesma maneira com que sempre tudo fizemos.
É uma coisa cíclica, morrer. Um hábito antigo que se aprimorou,
o tempo nos dá ciência, e até,
quem sabe,
alguma virtude.
* A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #258 – 08OUT25