A Culpa é das Estrelas

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Uma hora semanal de música cuidada com as palavras de Gente com veia de Escritor

Quarta-feira e Domingo (reposição), às 22H00 (GMT)
RÁDIO TERRA NOVA

Domingo e Quarta-feira (reposição), às 21H00 (GMT)
RÁDIO VFM

14/12/2025

“Amizade” *
Autor: Vítor Encarnação

Na voragem da vida, nas esquinas das emoções, nessas encruzilhadas que se formam no pensamento, perdemos amigos.
Mas para sermos mais precisos e aliviarmos o peso da perda, é preciso dizer que não os perdemos verdadeiramente. Um verdadeiro amigo nunca se perde. Quanto muito podemos não o ver, não lhe telefonar, com ele não trocar opiniões. Mas sabemos que ele existe, que ele está lá quando precisarmos dele. Porque se o amigo tiver sido feito com fermento e massa de olhos brilhantes, de abraços, de lágrimas, de palavras suaves, de respeito, de confiança, de compreensão, a amizade sobrevive sempre.
Pode estar moribunda, presa em folhas de papel amareladas pelo tempo, enclausurada num grito que não se deu, calada em elogios adiados, enterrada em memórias movediças, pode ter sido esmagada por um conflito que não se soube resolver, enleada em rumores, assombrada por fantasmas que alguém soltou como cães raivosos que nos saíram ao caminho e nos morderam o coração. Mas não está morta.
É uma pétala que, basta querer, rasga o cimento da hipocrisia, é um pássaro que com asas de veludo rebenta a gaiola do cinismo, é uma borboleta frágil que destrói o interesse pontual e estratégico. É um sopro de vida, uma tulipa no deserto, uma chama a arder dentro dum cubo de gelo, uma verdade perdida no labirinto da mentira, uma corda para sair do poço, uma almofada fofa sobre um precipício.
A amizade é coisa una, feita por dois. Cada um pode ter seguido por uma estrada diferente, às vezes até em sentidos opostos, já não se escrevem, já nem ao menos sabem o endereço um do outro, esqueceram a morada, esqueceram o rosto, esqueceram os risos, esqueceram o calor das palavras, esqueceram os cafés, as noites, a poesia, os medos que contavam um ao outro, os sonhos que diziam um ao outro… esqueceram as fraquezas que mostravam um ao outro, a força que davam um ao outro.
Já não brindam à saúde de cada um e agora são dois copos partidos, ansiosamente procurando saber de quem é a culpa de se terem transformado em estilhaços.
A amizade é humana, e por isso a amizade tem arrufos. A amizade quer a atenção toda. A amizade é de cristal. É uma bola de sabão. A amizade é uma pomba branca zangada. A amizade hiberna. A amizade tem fases de armário. A amizade faz birras. A amizade é uma cigarra teimosa.
A amizade, por saber que tem amigos, e que eles a perdoam, esquece-se deles.
Mas a amizade tem raízes que quando se cansam do vazio retornam sempre à terra que as viu nascer.
A amizade é um vento morno que volta, um fogo que arde e se vê na cara.
A amizade é um pássaro que regressa ao ninho quando tem frio.
A amizade nunca morre porque tem dois corações.

* A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #266 – 10DEZ25

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14/12/2025

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A CULPA É DAS ESTRELASEmissão  #266 - 10DEZ25Locução & Produção: Jorge CravoContacto: culpadasestrelas.radio@gmail.comAu...
14/12/2025

A CULPA É DAS ESTRELAS
Emissão #266 - 10DEZ25
Locução & Produção: Jorge Cravo
Contacto: [email protected]
Autor Convidado: Vítor Encarnação

A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #266 - 10DEZ25 Locução & Produção: Jorge Cravo Contacto: [email protected] Autor Convidado: Vítor Encarnação www.terranova.pt cast.redewt.net:2199/start/vfm open.spotify.com/playlist/05mUnngOE4wwHbWdneuubH?si=cwgEGknORlGJ7CCEg92pYg

08/12/2025

“Quotidiano” *
Autor: Marta Almeida

Ao acordar movimento os pés que estalam num lento bocejo.
Ligo o rádio e ouço que foi assinado um novo acordo de cessar-fogo. De dedos
ansiosos procuro outra estação, a locutora fala aos ouvintes de um tal soul cósmico e
eu aceito porque afinal promete o slogan, é música para respirar.
Na sala de aula o burburinho das vozes mistura-se com as notas de um piano vindas de
longe. A cadeira, penso, é intencionalmente desconfortável para que não nos sintamos
ainda mais dormentes.
Entro e peço um café em chávena fria, e em frente um letreiro florescente promete
pão quente a quem passa. Três mulheres mais velhas estão sentadas na esplanada e
eu penso na vontade de ir antes que também eu envelheça. Ouço uma voz que se
levanta e diz, deixem de cometer atos violentos e nenhuma criança será violenta. Nem
uma. Fecho os olhos com força e lembro-me do magnífico vitral da igreja. Estava um
calor insuportável nesse dia, as cigarras e o seu canto ininterrupto e ensurdecedor
como drones. Sentei-me nos últimos lugares dos bancos corridos de madeira no
silêncio imóvel e fresco da igreja.
A frase impressa no cartaz, Nuvem densa de amor, faz-me abrandar o passo. Em direto
a jornalista descreve uma cidade cosmopolita e a fervilhar de novidades. Sigo para a
rua contígua guiada pelas vozes que exigem o fim da ocupação, a liberdade desde o rio
até ao mar. Na varanda de um prédio de um verde vibrante um homem de pijama
ergue o punho com dificuldade. A multidão comovida aplaude. Um gato pardo
atravessa a rua a correr, um homem enrola um cigarro na porta de um bar ainda
fechado e um sinal de passagem proibida. A imagem em loop na minha cabeça de um
menino que parece flutuar nos destroços de uma cidade esquecida.
Mudo de estação toca um estudo em sol maior quando na hora das notícias nos
contam que o primeiro dia da trigésima conferência climática começou
inesperadamente com uma chuva torrencial. Os participantes agitam-se. Ninguém
quer molhar os pés.
Desço as escadas acompanhando a minha imagem no reflexo para não me perder de
vista. Há um concerto de jazz nessa noite, um lugar vazio ao fundo da sala e a camisola
que visto para me proteger do ma***to ar condicionado. Na mesa do lado, uma grávida
um bêbado e um aluno de música de bloco e caneta na mão, indiferentes uns aos
outros, uma garrafa que se parte e a bateria que soa a botas no terreno.
O trânsito que não anda, e eu em contrarrelógio estaciono em fila dupla, afinal são
dois copos pelo preço de um. A conversa entre amigas, a que gesticula demasiado
porque ama como quem não consegue por em palavras e a outra que avisa não te
metas nisso que é muito complicado. Abraçam-se. Uma delas veste a camisola da seleção de Cabo Verde. Pela primeira vez na história o
país foi apurado para o mundial. A euforia que foi. A alegria que será.
Pergunto se me posso sentar e elas acenam que sim.

* A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #265 – 03DEZ25

A CULPA É DAS ESTRELASEmissão  #265 - 03DEZ25Locução & Produção: Jorge CravoContacto: culpadasestrelas.radio@gmail.comAu...
08/12/2025

A CULPA É DAS ESTRELAS
Emissão #265 - 03DEZ25
Locução & Produção: Jorge Cravo
Contacto: [email protected]
Autor Convidado: Marta Almeida

A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #265 - 03DEZ25 Locução & Produção: Jorge Cravo Contacto: [email protected] Autor Convidado: Marta Almeida www.terranova.pt cast.redewt.net:2199/start/vfm open.spotify.com/playlist/05mUnngOE4wwHbWdneuubH?si=cwgEGknORlGJ7CCEg92pYg

30/11/2025

“Algures no Pacífico-Sul, Lisboa” *
Autor: Joaquim Paulo Nogueira

1.

Quando recuperei os sentidos tinha perdido completamente a noção do lugar.
A própria ideia de lugar.
Veio-me apenas esta frase estranha, Algures no Pacífico Sul.
Gosto de me entregar às frases estranhas.
É uma forma de me aventurar.
É a pouca maneira e modo da minha vida se aventurar, agora.
O meu Pacífico Sul não tem bancos de corais, ventos e tempestades do demónio.
E é em Lisboa.
São dois braços com o formato de duas tenazes.
Enquanto me abraçam, perdem-me, no Pacífico Sul, o Tejo à minha frente.
Sempre ele e eu um diante do outro, perco-me nele como me ausento deste lugar onde não
estou, estaria,
nunca estive, estarei,
por vezes pergunto-me:
isto ainda é a minha vida?
e depois, na alteridade que o solilóquio de uma alma penada admite, repito:
isto ainda é a tua vida?
Não sei de nenhuma rota, de nenhuma linha do horizonte,
o sextante, a bússola, o próprio mapa,
perdi-os na feira da ladra,
escondidos numa pequena caixa de madrepérola que deixei num antiquário, a troco de
duas moedas.
Eram duas.
(São sempre duas as moedas da minha vida.)
Cara ou coroa. Duas faces, dois estados de alma,
(São sempre aos pares os sentimentos a que me atrevo.)
Nunca tive nada de único, de profundamente original na minha vida:
Um dia devo ter nascido, contaram-me, hoje estou aqui, é isso que sei.
Luto contra o meu desconhecimento
sobre tudo o que se mexe.
O meu mundo é um pequeno barco de papel a vogar desalmado, no Pacífico Sul, Lisboa.

2.

Quando se está verdadeiramente só, é a morte.
Ao mesmo tempo não consigo imaginar o que seja a verdadeira solidão.
Talvez pensá-la.
A vida na cidade, e não apenas no Pacífico Sul, cheia de metáforas, de espelhos, de
simulacros, de coisas que nunca foram coisas, aborrece-me de morte.
A nossa vida de cidadãos mudou muito desde a última vez que o circo chegou à cidade.
Ainda ontem encomendámos o jantar pela internet e depois comemo-lo,
a pensar que coisas ainda com o lastro de coisas estavam realmente naquela embalagem de
cartão do fast food que encomendámos sem dizer uma só palavra.
O rapaz da motocicleta pareceu-nos ainda real.
Até que disse uma palavra de plástico,
e depois outra, ainda mais uma,
foram três as palavras que proferiu sem sequer as dizer,
até pensámos que era um ser destinado para aquele ofício, os mortos-vivos nunca têm
acidentes de viação.
Só quando já ao descer das escadas olhou para trás, se percebeu naquele vislumbre uma
humanidade qualquer que nos deixou incomodados.
E enquanto mastigávamos aquilo que não era mais do que o simulacro de uma matéria cuja
memória ainda nos habitava,
uma lembrança de um cheiro, de um sabor, de um pedaço de vento particular, começámos
os dois a chorar, um choro incontrolado,
dissemos em uníssono,
as coisas que nunca foram verdadeiramente coisas tendem para a solidão.
Falta-lhes a matéria, a sensibilidade do corpo a corpo.
Não tínhamos descoberto nada de especial.
A nossa vida continuava a ser aquela vacuidade de sempre.
Não tínhamos visto nenhuma estrela,
nenhum cometa,
nenhum pó de céu, muito menos o deus-menino,
mas sentimos aquilo como uma revelação.
As coisas que nunca foram verdadeiramente coisas, tendem para a solidão.
Não há nada como a alegria de uma ideia, o prazer de uma revelação.
As coisas que há nas coisas são como mnemónicas, lastros, coisas que ficam penduradas
noutras coisas, e assim, irremediavelmente acompanhadas.
Não há verdadeira solidão quando se vive. Há a ideia generalizada de que o poema
necessita de alguma tristeza
para ser verdadeira poesia,
mas isso é um defeito com que a nossa ideia de poesia contamina o poema.
É mais um simulacro,
a juntar-se aos mil de milhões de simulacros,
que fazem tender a nossa vida para a verdadeira solidão.

3.

Disse ela, tenho saudades do tempo em que vivíamos no fundo do mar.
Era verdade, fazia-lhe falta tudo,
ou quase tudo o que podemos encontrar
no fundo do mar.
Os peixes-martelo, os tubarões, os minúsculos protozoários, as enguias, as moreias,
aquela tessitura frágil e sólida dos bancos de corais,
tenho saudades dos tempos em que tínhamos vinte anos e vivíamos no fundo do mar.
Lembras-te?
Ele lembrava-se, mas não podia dizer que sim.
Aos vinte anos tudo parece possível,
até viver no fundo do mar.
Só depois a bronquite, a apneia, a asma,
a sinusite,
o enfartanço,
e todos aqueles problemas crónicos
de quem está continuamente exposto à síndrome de uma vida às avessas.
Todas as noites ligavam a televisão da morte universal
no subúrbio e debicavam
os míseros trezentos e sessenta e cinco avos de um ano que,
diziam,
ia ser difícil.
Vai ser duro lá na empresa,
tinha começado por dizer ele,
à hora de jantar,
vão despedir pessoas e as que ficarem,
vão-lhes cortar nos subsídios, nas creches,
quando ele encostou para o lado o pratinho de camarão cozido que
comprara no hipermercado.
Lembravam-se de quando eram pobres.
Viam televisão a preto e branco e o marisco era o tremoço mijado pela mãe de Cristo.
Agora comiam fino.
Um pratinho de camarões vermelhos e o gosto a prolongar-se no palato,
essa imensa viagem entre o palato e o esófago,
uma vida diferente pensavam,
enquanto arrotavam,
seguros do progresso das suas vidas.
Ele encostou o prato para o lado.
Não sem antes a olhar,
meigo, enternecido,
por conseguir ainda ver o fundo do mar quando a mirava,
44envergonhado,
era para ele um sinal, aquele rubor que lhe subia à face
quando a olhava,
como se não fosse sua,
como se fosse um pedaço de estrela.
Pensou ainda mais uma vez:
estou cansado das coisas, as coisas cansam-me.
Não sabia explicar mais detalhadamente
a metafísica que lhe estalava com o cucuruto mas
soletrou o desejo,
gostava que as coisas não fossem estas coisas.
E arrematou perante a sua incredibilidade:
-Que fossem outras coisas.

* A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #263 – 26NOV25

A CULPA É DAS ESTRELASEmissão  #264 - 26NOV25Locução & Produção: Jorge CravoContacto: culpadasestrelas.radio@gmail.comAu...
30/11/2025

A CULPA É DAS ESTRELAS
Emissão #264 - 26NOV25
Locução & Produção: Jorge Cravo
Contacto: [email protected]
Autor Convidado: Joaquim Paulo Nogueira

A CULPA É DAS ESTRELAS Emissão #264 - 26NOV25 Locução & Produção: Jorge Cravo Contacto: [email protected] Autor Convidado: Joaquim Paulo Nogueira www.terranova.pt cast.redewt.net:2199/start/vfm open.spotify.com/playlist/05mUnngOE4wwHbWdneuubH?si=cwgEGknORlGJ7CCEg92pYg

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