11/30/2025
O Contrabando na Ilha do Pico
Durante a leitura do livro de Manuel de Ávila Coelho - A Freguesia de Nossa Senhora da Piedade na ilha do Pico, já me tinha deparado com este assunto. Esta semana adquiri mais dois livros de Ermelindo Ávila, Figuras e Factos, I e II, e o tema voltou a surgir. Segue-se o resultado.
O contrabando foi uma prática comum na Ilha do Pico desde o século XVIII até ao início do século XX, sendo uma forma de combater a pobreza que reinava cá na ilha. Terá começado com os navios baleeiros vindos da Nova Inglaterra. Esses barcos faziam “aguada” e reparações, e estes contactos tornaram possível a troca de mercadorias.
Os produtos mais procurados eram o tabaco americano e tecidos como o “angrin” e a “cabeça de índio”.
O monopólio real do tabaco em Portugal tornava o contrabando especialmente atraente: embora fosse um produto altamente tributado, as restrições nos Açores forçavam muitos a buscar meios informais para obtê-lo ou comercializá-lo.
Além deste contrabando, estes navios recebiam também, os jovens que embarcavam ilegalmente para os Estados Unidos.
Os veleiros exploravam a extensa costa da ilha para evitar a fiscalização. Ricardo Manuel Madruga da Costa, por exemplo, relata nas suas obras como a autoridade alfandegária tinha dificuldades em fiscalizar completamente esse comércio, especialmente nas ilhas periféricas.
Essa fiscalização era assegurada pelos guardas fiscais e pelo “bote da ronda”, tripulado por marinheiros da Armada, destacando-se nos portos do Calhau da Piedade ou da Calheta de Nesquim. Apesar dos esforços das autoridades, muitas operações escapavam graças à astúcia dos locais e às características geográficas favoráveis da ilha.
Um exemplo é o relato de Luiza de José António, residente nas Lajes, que negociava tabaco para complementar os rendimentos familiares. Quando soube que a Alfândega iria revistar a sua casa, escondeu o tabaco no fundo do poço da Rochinha, transportando a água em várias idas para despistar os guardas. Contava, com entusiasmo, como conseguia enganar a fiscalização sem que descobrissem o contrabando (Ermelindo Ávila).
Outro episódio ocorreu na freguesia da Piedade, no lugar da Engrade. Um contrabandista, ao saber da aproximação dos guardas, organizou uma refeição sobre a celha do lagar onde o tabaco estava escondido, convidando os próprios guardas a participar. Os fiscais, ignorando o conteúdo oculto, saíram sem apreender o material, evidenciando como a astúcia era essencial na prática do contrabando (Manuel de Ávila Coelho).
Nem todas as operações terminavam sem incidentes. A chegada de navios de contrabando podia resultar em tragédias, como a morte de jovens atingidos por disparos acidentais da fiscalização, ou em agressões físicas e perdas materiais significativas. Mesmo os contrabandistas mais experientes, na maioria das vezes, não acumulavam riqueza, sendo os riscos constantes para todos os envolvidos e para as famílias (Manuel de Ávila Coelho).
O contrabando no Pico revela muito sobre a vida local: era uma actividade arriscada, mas a necessidade era superior ao risco. Estes relatos mostram a relação entre as autoridades e a população, marcada por repressão versus estratégias de sobrevivência e testemunham uma época em que a subsistência dependia da coragem e da engenhosidade das pessoas.
Até breve!